Esse blog tem a finalidade de divulgar ciência e tecnologias em linguagem popular, pois seu melhor entendimento é de total interesse nacional, uma vez que além de promover o desenvolvimento de senso crítico, ele propicia um acompanhamento cada vez mais democrático de seu futuro. Se construirmos um Brasil mais informado, quem sabe, possamos torná-lo mais justo.

segunda-feira, 29 de junho de 2009

UM ENSAIO SOBRE A DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA ATRAVÉS DA INTERNET

Devido à consolidação da internet como mídia, criou se grande expectativa na formação de um instrumento realmente democrático, capaz de armazenar e disseminar globalmente as informações. A agilidade e o relativo baixo custo desse novo veículo de comunicação on-line, viabilizaram o acesso de pessoas e entidades que encontravam dificuldades em fazer circular suas idéias (opiniões, publicidades de produtos, reivindicações, informações etc) em um espaço global. Mas ao contrário desse aparente “triunfalismo’ da internet, nem tudo são flores, é necessário ter cuidado e discernimento para julgá-la, pois a velocidade contemporânea atrelada ao crescente fluxo de informações podem comprometer a qualidade do conhecimento inclusive em parâmetros mundiais.
A ciência e a tecnologia têm sido contempladas cada vez mais com melhores espaços e maior tempo nos meios de comunicação em todo o mundo. O ritmo acelerado adotado pela mídia on-line propicia novos desafios a divulgação científica, uma vez que a qualidade e a precisão jornalística são relegadas a um segundo plano. O tempo, mais do que nunca, passa ser o maior tirano na maratona do jornalismo diário. A comunicação da ciência e tecnologia torna-se extremamente vulneral a deslizes propiciados pela sua frenética captação e divulgação pela rede mundial1.
O leitor é sempre o maior prejudicado com a informação desqualificada. Haja vista que muitos profissionais de nossa sociedade procuram manterem se atualizados através de educação informal – mídias impressas, programas de radio e televisão e logradouros na internet. Informações equivocadas ou mesmo que induzem a conclusões indevidas podem trazer conseqüências sérias como, por exemplo, a auto-medicação ou consumo inadequado do medicamento2”.
Existem inúmeros, senão milhares de milhões de endereços eletrônicos que armazenam informações sobre pseudociências, medicina, fármacos ou ensino de ciência por exemplo. Informações postadas nesses sites geralmente não seguem os ethos do cientista.
Segundo Robert King Merton3, o ethos do cientista - princípios que o cientista precisa seguir para que seu trabalho seja reconhecido pela sociedade, é composto de quatro normas básicas: (i) o universalismo, segundo o qual os trabalhos científicos devem seguir padrões universais de avaliação; (ii) o comunismo, segundo o qual o conhecimento proporcionado pelo trabalho científico é um patrimônio comum da humanidade, e não propriedade privada de algum indivíduo; (iii) o desinteresse, segundo o qual o único objetivo a curto prazo do trabalho científico é a ampliação do conhecimento humano; e (iv) o ceticismo organizado, segundo o qual o cientista deve ser privado de qualquer forma de preconceito e de conclusões precipitadas sobre seus trabalhos.
Esses quatro princípios institucionais do ethos, que estão sempre inter-relacionados, garantem a realização do que Merton chamou de “boa ciência”: a ciência que é aprovada pela sociedade e que, graças a isso, mantém-se íntegra, independente de qualquer determinismo e livre para continuar progredindo3. No caso da internet, quem fiscaliza a informação que é postada em blogs e youtube, por exemplo? A internet, para muitos, é considerada terra de ninguém devido à fragilidade ou mesmo inexistência de leis que regulamentam sua utilização. Um exemplo disto é o desrespeito generalizado aos direitos autorais, mas não termina por ai.
A imagem de empresas ou a reputação de cidadãos civis e governantes podem, portanto, ser ameaçadas por um simples correio eletrônico, bem como pode se mobilizar consciências em prol de causas virtuais absurdamente falaciosas. Recentemente, a mais importante sociedade científica brasileira – a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) – viu-se envolvida em um desses episódios. O seu jornal eletrônico, de grande credibilidade e prestígio, reproduziu uma notícia que dava conta de que em escolas americanas estavam sendo utilizados mapas que indicavam a região amazônica e o pantanal brasileiros como “área de controle internacional”1.
A informação havia sido gerada por uma corrente eletrônica apócrifa, que buscava emprestar veracidade ao fato citando um site ultranacionalista, que apresentava um mapa com aquelas características. Em resumo, a informação era falsa, foi desmentida categoricamente por embaixadores do Brasil e dos EUA, mas provocou uma imensa rede de intrigas, respaldada, certamente, pelo endosso de fontes de ciência e tecnologia4.
As redações dos jornais brasileiros, por conta desta fraude, receberam centenas de mensagens eletrônicas de leitores internautas ao mesmo tempo preocupados e indignados com uma possível invasão americana. É possível imaginar os prejuízos que este tipo de informação pode gerar em momentos em que uma polêmica está acesa ou os ânimos estão acirrados, como, por exemplo, em situações de conflito, como as que vigoram permanentemente entre árabes e judeus no Oriente Médio4.
Outra observação relevante sobre o poder de disseminação dos novos veículos on-line é o que esta característica pode fazer com o foco jornalístico atribuído a determinado assunto. Pode se ilustrar de maneiras completamente diferentes uma pesquisa ou inovação tecnológica, por exemplo: e divulgá-las globalmente sem nenhuma responsabilidade. Nem sempre as informações trazidas pelas reportagens abordam avanços nessas áreas, mas sim de denúncias a respeito das instituições de pesquisas, suas financiadoras e pesquisadores. Manchetes como, por exemplo, “Industria tabagista financia cientistas para se defenderem”, “Companhias farmacêuticas financiam campanhas políticas” tornaram-se freqüentes, pelo menos, nos Estados Unidos.
O jornalista científico tem como matéria-prima a inovação, a descoberta revolucionária, no campo da ciência e da tecnologia. No entanto, com o aumento de algumas parcerias entre os cientistas e empresas privadas essa matéria prima torna-se cada vez mais escassa. Muitos cientistas deixam de conversar com jornalistas alegando que suas pesquisas são segredos industriais. Oras bolas, mas o cientista não é contratado de uma instituição pública, a qual tem como uma de suas diretrizes básicas a divulgação científica?
A mídia tem um importante papel no avanço do entendimento público sobre ciência, que, ao meu ver, ainda é falho. Há muitos exemplos de reportagens brilhantes, escritas criticamente com clareza em estilo provocativo, mas a maioria das notícias científicas são muito mais fontes de entretenimento do que de informação. É comum, deparar se com notícias a respeito dos resultados da pesquisa e/ou história de sucesso, mas quase nunca ou mesmo nunca a respeito do processo pelo qual a pesquisa foi feita ou sobre finais desastrosos ou insucessos5.
Muitas pessoas, por exemplo, são mais confundidas do que lucidadas por reportagens científicas relativas a dietas, cânceres ou genética. A promoção exagerada de fármacos é um exemplo. Inúmeras reportagens apresentam medicamentos novos - ainda não testados em humanos - como a salvação da humanidade. Tais panacéias alimentam inverdades e a esperança das pessoas promovendo interesses de laboratórios. O leitor deve tomar cuidado com informações polarizadas6.
Nem sempre a culpa é exclusivamente do jornalista, extrapola se para suas fontes. O cientista geralmente super valoriza seus trabalhos, vangloriando seus benefícios e minimizando seus riscos. Portanto, os jornalistas que se restringem a uma única fonte de informação são mais passíveis de manipulação, pois aceitam a ideologia do cientista, que geralmente é um experto na área, como verdade absoluta7. Mas, esse não é o único problema.
Com as parcerias entre as redes de notícia e grupos financeiros e industriais, a independência editorial dos veículos de comunicação em geral, encontram se ameaçadas. Se é que elas ainda exista nos dias de hoje. Percebe-se que o jornalismo vai se tornando um departamento qualquer dentre das gigantes transnacionais da mídia. Além de notícias, vende-se ao publico leitor infinidades de bens de consumo. Cada vez mais os veículos de informação estão entrelaçados com grupos de muitos outros negócios. E quanto a independência jornalística em um mundo no qual o jornalismo já não constitui um negócio independente de outros?1,8
Segundo Eugênio Bucci, jornalista e secretário da Editora Abril, a saída para o bom jornalismo é a ética jornalística. No entanto, não é difícil imaginar que a ética, na realidade empresarial, muitas vezes se confronta com os negócios. No caso brasileiro, a propriedades de muitos meios de comunicação encontra-se, em sua maioria, no poder de políticos e instituições religiosas. Então, como discutir com o mínimo de criticidade, por exemplo, os debates entre fé e ciência, o uso de métodos anticonceptivos, o aborto, a AIDS, o criacionismo versos evolucionismo?8 O quanto essas discussões por esses meios podem ser conduzidas de maneira imparcial?
No caso da internet, apesar de sua consolidação como mídia, nem todos os brasileiros têm acesso à rede. Segundo pesquisa realizada em três mil dos 5 mil municípios do país, existem apenas 108 iniciativas de acesso público gratuito à Internet, como telecentros e salas de informática9. Os dados relativos ao primeiro trimestre de 2008 revelam que 41,5 milhões de pessoas com 16 anos ou mais declararam ter acesso à internet em qualquer ambiente (casa, trabalho, escola, cybercafés, bibliotecas, entre outras possibilidades)10.
No entanto, por mais crescente que seja os números da Inclusão digital do Brasil, o maior desafio é ensinar utilizar esse novo veículo de maneira a ultrapassar apenas as fronteiras do entretenimento, ou seja, ter este novo veículo como uma fonte barata e rápida de pesquisas de informações, mas visando transformá-las em conhecimento crítico para o cidadão analisar o seu redor e o mundo.
A globalização das informações estará cada vez mais articulada com a grande oligopolarização e da concentração multinacionalizada de suportes, mercadorias e serviços. O jornalismo científico, nas sociedades emergentes, precisa assumir o papel de agente de emancipação e resistência, de crítica à desterritorialização e ao fetichismo tecnológico. Para compreender ciência e tecnologia, os leitores precisam conhecer os contextos sociais, políticos e econômicos das aplicações científicas, a natureza da evidência nas entre linhas das decisões, e os limites da capacidade da ciência nas aplicações humanas.

Nenhum comentário:

Postar um comentário